terça-feira, 24 de outubro de 2023

 Não temos as mãos e os pés delicados e belos segundo as convenções de beleza clássica, idealizadas.

Muito menos a face, os quadris, o busto. Mas carregamos a força, a aspereza, a solidez e a rusticidade de um povo dizimado culturalmente em séculos passados.

Mulheres tidas como machos, progenitoras, que sempre lutaram pela permanência e sobrevivência de sua espécie, de sua prole.

Mãe de dezoito filhos, tendo quatorze sobrevivido, minha avó sempre batalhou muito, de sol a sol, de carpina em carpina, em cada estação ao bater o arroz, em cada coberta tecida que iria aquecer a todos provindos de seu ventre do frio, que ainda era severo. Em cada saco de arroz onde ela criativamente modelava e cozia para a família.

Vida laboriosa, mas seguida sempre com muito vigor e talento. Uma mulher, uma mãe, uma amante, e antes de qualquer coisa uma filha, que se esqueceu de sua função enquanto criança. Infância perdida na roça, adolescência marcada pela perda da inocência de forma brusca, pelo machismo presente de forma exacerbada entre os machos sedentos pela procriação e aumento da espécie.

Dos dezoito filhos, poucos são os irmãos de pai e mãe, sendo visível nas faces e expressões trazidas e carregando a miscigenação estereotipada em cada corpo, nas ancas, no cabelo, nos lábios. Ímpares. Mas algo as torna pares: os pés e as mãos, que com a vinda dos anos, se assemelham mais e mais relembrando a todas as suas descendências comuns.

Filhos e filhas de mamelucos, caboclos, mestiços, ciganos, brasileiros e brasileiras, uma riqueza cultural corrente nas veias, e nos olhares cheios de vida e esperança de um futuro melhor, de uma vida sem tantas desigualdades, sem passar tantas dificuldades. Uma vida sonhada por estas mulheres aos seus filhos, onde na mesa não falte comida, no armário não falte agasalho e na mente conhecimento. Sendo este último aquele tido como científico, e que as minhas gerações passadas não tiveram acesso e que lutaram para eu agora tivesse.


(Daiane Acosta. Parte do livro Joana...ana que anda, 2008)


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