terça-feira, 24 de outubro de 2023

 


Janelas de madeira. Quadradas. Todas as janelas eram de madeira e quadradas. De madeiras e também quadradas eram as portas. Todas pintadas de um azul claro, desbotadas, saindo já as lascas de tintas. Um alpendre quadrado, um pequeno jardim e o pasto coberto de árvores retorcidas onde brincávamos todos os dias, todas as tardes.


Corria, corria, queria pegar os pássaros, buscava sempre alcançar os pássaros e imaginava como deveria ser bom voar e ser livre, mesmo sem saber o que era liberdade. A Gaivota berrando na porteira era o sinal de que meu pai não mais tardava a chegar. Já ficava imaginando o que eu iria inventar pra lhe contar, e que desculpa arrumaria para que ele pudesse brincar comigo.


Ficava parada na janela tirando as lascas que teimavam sempre em sair, e ficava o tempo necessário, observando o vem e vai do galho da mandioqueira que invadia o quarto. Duas camas de solteiro ocupavam o quarto e e só. À frente a cisterna que tinha a marca de minha mão e de minha irmã. Ao lado duas casinhas de pau a pique que servia pra lavar roupas e guardar coisas de meus avós. Os tanques eram feitos de tábuas suspensas no ar por quatro estacas e um cano com uma torneira na ponta é que trazia a água límpida direta do riacho que corria fresco um pouco mais abaixo.


Eu parava estática olhando horas e horas meu avô escovar os dentes e fazer a barba.Um verdadeiro ritual! Imaginava seus pensamentos enquanto concentrado arrancava com seu estojo prata cada fio branco, áspero, de seu rosto expressivo; era possível ouvir o roçar do estojo em sua pele flácida, caída no maxilar. Era curioso como escovava os dentes, sempre com sabonete e essa era a única função do sabonete pra ele. Fazer a barba e escovar os dentes.


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