terça-feira, 24 de outubro de 2023

recorda ações... todas esperando o seu fim.


Amassando o papel para escorrer a água lembrei-me de minha mãe me ensinando a fazer queijo.

__O segredo é amassar bem. A quentura da mão também ajuda. Não pode ser nem muito quente, nem muito fria. Temperada. E tem de tirar toda a água, pra não inchar, mas não pode esfarinhar muito pra não ficar empaçocado.

Minha mãe sabia muito bem as artimanhas da cozinha. Eu não aprendi muito, pois sempre estava com a cabeça longe, e ela ficava ali explicando enquanto eu sonhava acordada. Com mundos desconhecidos, misteriosos e encantados.

Príncipes, princesas, fadas e bruxas. Cavaleiros e castelos. Monstros e soldados a enfrentar. E eu apenas uma garotinha de seus poucos anos.

Lembro das histórias que a tia Heleninha contava no radinho de pilha vermelho de minha mãe.

Ondas sonoras, ondas curtas. Rádio Globo. Era meio-dia e o programa começava.

Sempre chorava no final das histórias: ou porque eram tristes mesmo, ou porque tinha pensado em um final que na verdade não aconteceu.


Foi a partir destas memórias que Ana escrevia. Hoje era um dia daqueles que ela decidiu não falar com ninguém mais. Estava fadigada de tanta gente, tantas vozes, plástico, maquiagens, tecnologia, barulhos de buzina, de motor, de serra.

Há a serra, o sertão, o mato a ir longe ao cerrado, agora nestes tempos, verde. Um verde que ofusca os olhos ao brilho do sol e que serena o coração a luz da lua. Céu de primavera, brilhante com todas as suas estrelas. O Cruzeiro do Sul, as Três Marias, o “tercinho”. Será quantos anos mais teremos este céu? Até quando a natureza irá nos permitir enxergar suas belezas? Estas questões geralmente afligiam Ana. Eram uma das tantas que a cada dia perturbavam ainda mais a sua cabeça.


Acosta (parte do livro Joana...Ana que anda)


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