Tive um sonho numa noite dessas.
Estava caminhando pelas estradas, quando avistei uma Senhora de cabelos grisalhos. A princípio enxergava-a distante, e na relatividade temporal do sonho, percebia que eu estava sendo conduzida em sua direção. Aos poucos, conforme me aproximava daquela mulher grisalha fui reconhecendo um brilho diferente que iluminava a tela de projeção e um mistério me arrastava como um imã para mais e mais perto, até que, ao me aproximar um pouco mais, uma inexplicável sensação de imobilidade tomou conta do meu ser.
Sentia-me como uma menina caminhando em dia quente a beira de um riacho
de corredeira leve;
aproximei-me para buscar descobrir quem era aquela senhora que havia
surgido no meu sonho; e foi tão real que eu sabia que estava dormindo. Comecei a racionalizar dentro do sonho e buscar entender a
simbologia daquela personagem, o que ela queria me contar?
Ao chegar do seu lado paralisei ali mesmo no meio da estrada, e não
consegui mais deixar de observá-la: sua presença e a força que irradiava é
inalcançável e as palavras são falhas para expressar a sensação que tive mesmo
estando no entorpecimento do sono noturno. Busquei vivenciar toda a experiência
para conseguir recordar essas sensações que busco agora recontar.
A senhora grisalha estava sentada em posição de lótus, em silêncio profundo e sentia como se ela estivesse mergulhada na contemplação do infinito, e em um estado de tamanha serenidade que apavorava o meu semblante ordinário. Um calafrio percorreu minha espinha ao pensar naquela força, que chegava até mim semelhante a uma enchente que corre corredeira abaixo pronta para romper qualquer estática das pedras.
Apesar de não reconhecê-la, não identificar sua identidade, aquela imagem era familiar. E seu mistério gerou uma vontade de descobrir quem era aquela senhora, por que ela me trouxe até ali, quem me permitiu ou me conduziu àquele lugar? Ela me percebia ali? O que ela queria me mostrar? Parei, respirei e fiquei observando-a por um tempo.
Rapidamente lembrei que estava perdendo tempo, que precisava acordar, tinha tanta coisa pra fazer, e meu peito encheu-se das variadas necessidades, senti-me cheia, atarefada e angustiada misturada às várias teias de pensamentos, crenças, sentimentos e emoções confusas as quais havia me envolvido; todas correram rapidamente como uma projeção de filme, busquei ar
e no peito senti que faltava inclusive espaço para o ar entrar e na mente eram tantas ideias e questionamentos que a vontade era de correr, correr sem pensar em um fim, buscas por respostas para calar essas angústias de perceber-se vazia, incompleta, e de não saber quem eu sou.
Comecei a girar em círculos, correr em círculos junto à todas as projeções de medos, e dúvidas, e questionamentos, e dores... e de repente mesmo girando tão rápido, meus olhos a fitaram novamente
e a vi ali, sentada em sua calmaria e o tempo parou,
senti-me imóvel novamente.
Sua serenidade me paralisava e minha única vontade era de sacudi-la para que se movimentasse e me deixasse sair de sua frente. Meu corpo estava parado, hipnotizado, mas a mente ainda corria igual redemoinho em dia de tempestade;
e o barulho dos meus pensamentos foram tantos que parecia um buraco negro
arrastando tudo ao redor, meus gritos ecoaram longe fazendo com que aquela Senhora direcionasse seus olhos até a mim.
E seu olhar foi como um choque, uma descarga elétrica, que não durou nem um milionésimo de segundo, mas,
foi o suficiente para atravessar-me;
e paralisei meus pensamentos;
sentia como se estivesse morrendo,
e ali ouvi o seu silêncio,
a Sua Presença
e desejei ouvi-lo mais
e
mais.
Foi um bem estar incomensurável,
oceano de contentamento infinito...
E rapidamente ela retirou os olhos dos meus
e retornei,
como que em queda abri os olhos no sonho
e o vazio corroeu meu peito
e sangrou-me como lanças afiadas atravessando a alma!
Queria gritar, correr, chorar, desaparecer de tão minúscula egoísta
incompleta insensível me percebi
busquei gritar,
busquei correr
busquei apagar a sensação e a memória daquela experiência
mas a única vontade era de permanecer ali
mergulhada em seu silêncio,
no encantamento daquela Senhora Sagrada Rainha
e ficar ali naquele lugar, banhando-me e me alimentando na sua Sabedoria que existia mesmo sem uma única palavra...
pensei...e se todas as pessoas no mundo também sentissem o que eu estava sentido talvez acabassem as dores e todas as doenças do mundo,
renasceríamos?
E de repente ela sumiu de minhas vistas,
o desespero começou a tomar conta de mim, e por horas fiquei ali parada e perdida, busquei silenciar, reencontrar o caminho para comungar tamanha satisfação, mas o que ouvia eram gritos no vazio de mim mesma; e o vazio foi enchendo-me até transbordar, quebrar em pedacinhos, cacos espalhados de mim mesma com o que restava da minha pequenez mergulhada na imobilidade de fazer algo,
a dor era tão profunda que nenhum grito conseguia expressar meu
desespero.
Comecei a reviver minhas culpas, os arrependimentos de todos os erros
cometidos em estado consciente, ou não; e me sentia incapaz de merecer
novamente o olhar de tão Sagrada e misteriosa força. E mergulhei
novamente na dor de lembrar a irresponsabilidade de todas as possibilidades
construtivas que deixei de fazer por preguiça, comodismo ou inércia, e da
agonia de tudo o que fiz e falei que possa ter prejudicado outras pessoas,
queridas ou não; aos meus grupos de convivência, à sociedade, a todos os planos
de existência; e fui me consumindo no pesar de todos os pecados cometidos
diante a cegueira da ignorância, da vaidade e do egoísmo;
um suspiro angustiado tomava conta do meu corpo e os meus olhos buscavam perceber e reconhecer o que estava a minha frente,
Por que passava por aquela experiência tão significativa, mesmo em sonho, e diante toda minha pequenez?
Derramei-me em prantos, e entre pedidos de perdão, suspiros e lamentações
enxerguei novamente a Senhora sentada a minha frente.
e percebi que naquele momento ela encontrava-se de costas para mim,
ou, eu mesma havia mudado de direção,
Durante todo o tempo em que estive ali eu a percebia sentada no mesmo lugar olhando para mim, pois eu estava em sua frente, mas agora ao enxergá-la de costas, pude ver para onde ela estava olhando: um ponto distante no horizonte,
cheguei mais perto e consegui perceber que em sua frente existia uma árvore, a mesma árvore que minha avó havia "me dado" quando eu era criança,
[No sítio em que cresci, no meio do caminho entre a casa de meus avós e a de meus pais minha avó me "deu" uma árvore e disse que ela iria crescer junto comigo, lembro que uma vez varias borboletas fizeram ninho nela (e não é poética artística, realmente isso existiu e a árvore existe ainda, e quando vou na casa dos meus pais busco ir até ela e agradeço-a)]
Eu, imersa a um furacão infinito de sentires e pensares, e Ela ali, sentada diante aquela majestosa árvore, contemplando-a, plácida, sem esboçar nenhuma emoção. Serena em sua sapiência.
E o seu encanto era tão forte que minha única vontade era de permanecer ali, diante a Ti, silenciosamente buscando a Si.
Respirei fundo, e aos poucos fui conseguindo reduzir o barulho dos pensamentos, me dedicando a observar a árvore; foi então que sentei-me ao lado daquela mulher e decidi permanecer ali, aprender com ela a me silenciar, afinal, nada mais fazia sentido além de estar ali
e quis descobrir o por que haviam me levado àquele lugar e quem era aquela Senhora,
por algumas vezes faltou-me o ar e levantei-me indignada com tanto tempo perdido em silêncio. Saí correndo para não ter tempo de voltar atrás; corria até certa distancia, mas a sua lembrança me fazia parar. Gritei, chorei, bati em mim mesma buscando maneiras de fazer com que reagisse, ou mesmo me destruísse, que fosse embora dali, tinha tanta coisa para fazer, tantos compromissos e necessidades e tantas, tantas reticências...
e a única coisa que conseguia fazer era retornar, era muito forte a lembrança do semblante daquela senhora sentada diante a árvore, em posição contemplativa, respiração serena, se
alimentando dos raios solares, plácida...
E mais uma vez sentei-me ao seu lado,
respirei pausadamente buscando silenciar os pensamentos e sentimentos, os turbilhões de recordações, de julgamentos, questionamentos e tantas teias vazias de tanto querer,
e mais uma vez bruscamente saí correndo ...
e agora só consegui andar até onde meus olhos ainda alcançavam a imagem
Dela; e paralisei;
apesar da angústia que eu sentia na sua presença, principalmente por reconhecer a minha pequenez, ao contrário, pensar na possibilidade de sua
ausência era o mesmo que deixar de existir.
Então regressei, abaixei a cabeça e ao seu lado sentei-me novamente,
respirei e, ao seu lado, busquei ouvir o seu silêncio,
agora, com menos expectativas, parei para sentir o momento presente,
sentir o meu corpo, sentir o ar tocar a minha pele e entrar em meus pulmões, abrir os olhos e buscar enxergar as cores ao meu redor, sentir a saliva, o paladar, e sentir o que a presença dela me despertava,
Permaneci sem palavras durante várias horas,
Durante todo o tempo ela não me direcionou nenhuma palavra, nenhum olhar, parecia indiferente, mas, ao mesmo tempo tão presente que sua energia inundava meu ser,
de cabeça baixa senti-me incapaz de conseguir ser semelhante a ela, ainda estava imersa a muitas necessidades cotidianas,
e novamente busquei ir embora, olhei para ela me despedindo e agradecendo, vagarosamente me levantei
agora sem desespero, reconhecendo minhas fraquezas. Ia embora carregando também certa alegria por ter buscado e conseguido, mesmo que por alguns instantes, alcançar
a sensação de silenciar a mente, geralmente tão barulhenta e angustiada. Saía na certeza de que já
estaria um pouco melhor do que antes, talvez mais sensível, e isso poderia contribuir na minha saúde e na saúde das
pessoas e ambientes que eu frequentava.
Olhei para ela agradecendo por tudo o que havia me ensinado em tão pouco
tempo, agradeci a quem me possibilitou estar ali, agradeci pela beleza que percebi no meu entorno, agradeci pelos meus olhos estarem um pouco mais abertos,
e levantei-me para seguir e retornar,
e não consegui caminhar mais,
agora eram meus pés, todo o meu corpo que não sentiam mais necessidade de ir além da calmaria
daquele lugar,
verdadeiramente dentro do meu coração, o meu corpo todo desejava estar ali,
sem mais nada querer, sem nada esperar;
simplesmente me sentar e permanecer,
ser,
respirar
olhar e ver
sentir
Sentei-me novamente ao seu lado, na mesma posição da Senhora de olhos
calmos,
e direcionei mais uma vez os meus olhos para a árvore a qual
ela contemplava,
e aos poucos pude perceber que na frente da árvore corria um pequeno
riacho,
e do outro lado da margem enxergava uma floresta, e nela conseguia ouvir ressoar cânticos vindos do vento, dos seres encantados, dos pássaros e das árvores que tinham tamanha beleza que não conseguiria transcrever em palavras; e todos os seres conversavam ao mesmo tempo comigo em uma harmonia perfeita, cumprimentavam-me como se reconhecendo minha presença, davam boas vindas como se já esperassem pela minha chegada; além das belas cores e sensações despertadas em meu coração, eu também sentia o cheiro do ar puro e no céu havia um belo arco-íris que coloria a paisagem azul.
Meus sentimentos eram de Gratidão, de imensa Alegria e Contentamento por ter a permissão de conseguir perceber e contemplar aquela rara possibilidade de Encantamentos,
Belezas e Mistérios da Natureza.
Voltei novamente minha atenção à Senhora, queria agradecê-la por ter me guiado, e pelo milionésimo de segundo ter direcionado o Seu Olhar à minh'alma, e por me permitir contemplar aquelas Divinas e Raras Belezas da Criação,
Queria que ela me escutasse, mas sabia que não precisava de palavras, sorri agradecendo,
e num impulso ordinário, busquei verbalizar uma pergunta: quem é você? Será que eu poderia continuar ao seu lado?
e mais uma vez ela atravessou-me com seu olhar em julgamento,
senti-me caindo e toda a floresta foi desaparecendo
Sua Força era tamanha que tinha a sensação de que iria explodir,
desaparecer
e mais uma vez ela voltou o olhar para a Árvore,
e tudo retornou ao seu lugar, voltei a respirar,
e mesmo sem resposta eu permaneci ali, ao seu lado
aprendendo a silenciar, enxergar e sentir as novas paisagens
( 2013)
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